Racismo Infanto-juvenil
O tema racismo é sempre atual e merece atenção redobrada de toda a sociedade, mas de forma especial dos profissionais que estão envolvidos nas questões de outras pessoas, como os que atuam, por exemplo, na área da infância e da juventude.
Estabelece o racismo uma hierarquização entre as raças e, por derivação, implica na prática de atitudes de hostilidade com o fim de inferiorizar determinada pessoa ou grupo de pessoas.
As recentes notícias veiculadas na mídia e com grande impacto, de forma geral, nas redes sociais acerca destas condutas hostis, como atirar banana para quem é da raça negra, devem ser repudiadas com veemência, por isso é elogiável a reação de simplesmente descascar e comer a banana, como reflexo do desprezo que esta agressão moral, ao ser humano, merece.
Tal reação, singela, destruiu, a meu ver, o comportamento irracional de arremessar a fruta como uma tentativa de afirmação de uma raça, como se fosse superior, em detrimento à outra, o que, obviamente, é inadmissível.
A Constituição Federal é clara, em seu art. 1º, que a dignidade da pessoa humana corresponde a um dos fundamentos da nossa República. A obediência a este fundamento não cabe somente aos detentores do Poder, mas sim a cada indivíduo que esteja em território nacional, ou mesmo em qualquer outra nação, pois sua origem é embasada em verdadeira norma supralegal.
É certo asseverar que dignidade da pessoa humana é, também, a aceitação e o respeito direcionados, indistintamente, às pessoas com todas as suas particularidades, como a raça, a opção sexual, o fato de serem portadoras de necessidades especiais, a atividade profissional, enfim, sejam quais forem as escolhas ou a situação do indivíduo.
Respeitar o ser humano, cada qual com suas características e singularidades, é dispensar o devido tratamento digno. Especificamente com relação àqueles em desenvolvimento, dispõe o art. 15, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estes têm o direito à liberdade e à dignidade; desse modo, todos que atuam na área da infância e da juventude têm o dever de estarem atentos para que a dignidade dos vulneráveis não seja maltratada.
Não é incomum que crianças e adolescentes inseridos em cadastro de adoção ou que necessitem de uma família substituta enfrentem a crueldade da discriminação e do bullying na escola ou em outros ambientes, simplesmente por terem a pele negra ou os olhos estreitos ou puxados.
Como sempre afirmo, o trabalho desenvolvido pela equipe interprofissional é de extrema utilidade quando elaborado com boa técnica e imparcialidade, e neste problema de racismo não é diferente. Penso que, por cautela, os profissionais desta equipe devem perquirir a criança ou adolescente sobre eventuais condutas praticadas contra eles e que importem em racismo. O conhecimento da realidade pode, e muito, auxiliar na compreensão do comportamento do menor, possibilitando uma conclusão mais segura sobre o caso em apreciação e viabilizando a implementação de um trabalho mais preciso para afastar, ou ao menos diminuir, eventuais traumas. Oportuniza a elaboração de laudo pormenorizado e completo.
Quando a equipe interprofissional tiver ciência de problemas de racismo suportados pela criança ou adolescente, aí sim terá condições de melhor orientar os pretendentes à adoção ou mesmo o tutor e o guardião. Certamente que o Promotor de Justiça e o Juiz da Infância e da Juventude, em posse de um parecer técnico, meticuloso e com informação das ocorrências de racismo, saberão como bem tratar a questão sub judice no campo jurídico e social.
O racismo contra o menor de idade, lamentavelmente, está presente na vida social e muitos casos sequer são divulgados ou levados a conhecimento da população, por isso, cabe aos profissionais que atuam na área da infância e da juventude encontrarem meios para a constatação destas ocorrências e, por conseguinte, procederem adequadamente de modo a afastarem as eventuais consequências, que podem ser devastadoras e até mesmo refletirem na postura do indivíduo na vida adulta.
A tão defendida teoria ou doutrina da proteção integral, expressa no art. 1º do Estatuto, impõe uma conduta ativa aos profissionais da área, de maneira que detectem o problema e sua solução.
Tanto o racismo como qualquer outra forma de discriminação não devem ser aceitos quando lançados em face do indivíduo que for, pouco importando as particularidades de cada um, sobretudo se a vítima for criança e adolescente, que tem o direito de estar a salvo de toda negligência e segregação, à luz do art. 227 da Constituição Federal.
Jeferson Moreira de Carvalho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Autor do livro “Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual Funcional e Adoção Internacional”, Ed. Del Rey.