Trabalho como ressocialização
O trabalho pode ressocializar o menor dependente?
COMPLEXIDADE / O tema é extremamente complexo porque envolve a liberdade de escolha de alguém que queira o trabalho de um dependente químico e envolve a liberdade de um dependente químico.
Envolve estar ciente de que o resultado do trabalho pode ser muito aquém do esperado, em comparação com quem não seja dependente químico.
Envolve em saber o que o “empregador” espera com o trabalho. Simplesmente alguém a mais trabalhando ou uma colaboração com alguém que necessita de uma ajuda para o retorno a uma vida digna.
Enfim, com esta resumida abordagem já se percebe o quão presente está a complexidade para tratar, falar e concretizar as ações de trabalho do dependente químico, com mais gravidade quando este dependente for menor de 18 anos de idade. Além da complexidade com a própria contratação, tratando-se de menor de 18 anos de idade, qualquer ação que se tome deve prestigiar a Teoria da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, em cumprimento ao ordenamento Constitucional.
PREVISÃO CONSTITUCIONAL E PREVISÃO LEGAL / Nos termos do art.7º, XXXIII da Constituição Federal é proibido qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos.
A primeira conclusão é que o trabalho só pode ser concedido a adolescente que já tenha atingido 16 anos de idade, afastando-se, portanto, as crianças (pessoa com até 12 anos de idade) e adolescentes menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, que é outra situação.
Por sua vez o Estatuto disciplina a proteção ao trabalho a partir do art. 60, podendo-se destacar que se deve obedecer aos seguintes princípios: a) garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular; b) atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente, e c) horário especial para o exercício das atividades.
Então, para a atribuição de trabalho a um adolescente, dependente químico, de início se deve observar a possibilidade do cumprimento integral dos princípios impostos pelo Estatuto, sob (pena) de prejudicar o adolescente, quando o objetivo é ajuda-lo.
TRABALHO / O vocábulo trabalho apresenta sentidos diversos, mas aqui podemos conceituar como a atividade de realização de tarefa para realizar ou fazer qualquer coisa, com o objetivo de ressocializar o adolescente, que, no caso, é dependente químico.
DEPENDENTE QUÍMICO / É aquele que está na condição de necessidade de uso de substância química para que possa, na sua percepção, realizar os atos de sua vida. Sem o uso constante e diário da substância química a pessoa não consegue realizar os atos ordinários do dia a dia.
RESSOCIALIZAÇÃO / Significa resgatar o adolescente para o seu meio social, com observância dos limites que todos temos em nossas vidas. O adolescente que esteja em situação de dependência química, é evidente, está vivendo à margem da sociedade, em consequência dos problemas causados pela dependência. A vida está fortemente vinculada ao uso da substância o que provoca o afastamento dos compromissos familiares, comunitários, sociais e políticos que deve ter. A ressocialização consiste em resgatar o adolescente à assumir esses compromissos e passar a ter uma vida integrada na sociedade.
FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA / A vida em sociedade, respeitando entendimentos diversos, exige que todos, a partir de determinada idade, exerçam uma atividade de labor. Não é o trabalho lícito que marginaliza uma pessoa, não o trabalho simples que marginaliza alguém, mas sim a ausência de trabalho por escolha da própria pessoa, que tem condições de cumprir seu papel social.
A ausência de trabalho conduz a pessoa a um mundo desregrado, por isso é possível afirmar que o trabalho é útil para a ressocialização do menor dependente químico, porque regras são introduzidas na vida diária.
O trabalho em qualquer grau de complexidade impõe organização, impõe respeito, impõe autorrespeito, impõe inúmeros comportamentos que contribuem para o desenvolvimento da pessoa, e muito mais para o adolescente que é pessoa em desenvolvimento conforme previsão legal.
Se o adolescente, dependente químico, tiver a oportunidade de trabalhar com o amparo das disposições estatutárias, isto é, preservando sua aptidão, mantendo seu horário escolar, possibilitando a convivência familiar, certamente a atividade vai contribuir para sua ressocialização.
A obediência aos ditames estatutários faz prevalecer o caminho da ressocialização, porque o trabalho tem, no caso, a característica de utilidade social.
Na medida em que o adolescente se percebe útil para a sociedade em que vive, surge naturalmente sua própria valorização como ser humano.
Detalhe de extrema importância a ser observado é que enquanto na atividade de labor o adolescente deve ser visto por todos, apenas como um trabalhador, e não como um trabalhador dependente químico, por isso não deve ser distinguido entre os demais.
No ambiente de trabalho ele é um trabalhador.
Este enfoque permite ao adolescente passar a se ver como uma pessoa integrada a sociedade, realizando atividade que lhe dá dignidade.
EQUIPE INTERPROFISSIONAL / Obter trabalho para adolescente, dependente químico, é um desafio que se apresenta à equipe interprofissional; mas, talvez um movimento integrado com a comunidade, seja possível algum discreto programa que enfrente este problema. Orientar o adolescente de suas responsabilidades na atividade de trabalho e orientar o empregador nas particularidades pode contribuir para o resultado positivo que se pretende.
CONCLUSÃO / Possibilitando que um adolescente, dependente químico, possa trabalhar com parâmetros bem definidos, que observe a Teoria da Proteção Integral, bem expressa no art. 1º do Estatuto, certamente os benefícios serão infindáveis.
Mantendo-se tratamento médico e psicológico adequados, de fato, gradativamente haverá a inserção social e o adolescente poderá retornar ao convívio social pleno, como uma pessoa livre das amarras que a dependência lhe causa.
É o meio social e o ambiente de trabalho que favorece o resgate da autoestima, e, por consequência, a ressocialização e a assunção aos compromissos sociais.
Sem dúvida o trabalho contribui para a ressocialização do adolescente dependente químico, desde que atendida a Teoria da Proteção Integral.
Jeferson Moreira de Carvalho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Autor do livro “Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual Funcional e Adoção Internacional”, Ed. Del Rey.